sábado, 5 de fevereiro de 2011

Druidas na antiguidade, Druidas românticos e Druidas na pós- modernidade


In: As Origens do Neo-Druidismo: Entre Tradição Céltica e Pós-Modernidade
Autora : Ana Donnard





Druidas e druidismo - o segundo termo é um neologismo e implica uma relação temporal e
causal. Estamos muito longe dos druidas antigos, embora o “druidismo” seja a evocação de
uma filiação antiga.5 O termo druida é de etimologia celta, não tendo nenhum correlato emlíngua grega senão o termo com o qual os antigos os identificaram em primeira instância -filósofos - pelo qual podemos avaliar a importância desta classe na antiguidade.6 O termo
grego é um empréstimo ao celta, empregado por Aristóteles. δρνιδης Os gregos, na tentativa de explicar o nome indígena do sacerdote-druida celta, relacionaram o nome com o culto ao carvalho, mas, etimologicamente, druida quer dizer aquele que tem o conhecimento. César,que testemunhou o emprego do nome na Gália, usa o etnômio Celta, Celtae (em sua língua nacional eles se chamam Celtas) e faz menção aos druidas (De Bello Gallico VI, 14, 21), sendo a forma por ele atestada correspondente às formas irlandesas do antigo irlandês druí/druíd.7 As fontes clássicas são lacunares e muito pouco se sabe dos druidas através delas. Temos conhecimento apenas de um druida histórico: Diviciacus - o Eduano, personagem bem conhecido por meio de César. Todos os outros citados ficaram anônimos.8Uma outra referência aparecerá em Ausonio, poeta latino: Phoebicius, guardião do templo de Belenus, um homem da raça dos druidas da Armórica.9 A menção da Armórica como origem deste personagem citado por Ausonio merece atenção.

Os romanos fizeram várias referencias à Insula Sena e Pomponius Mela faz a descrição da
famosa ilha de Sena, diante do território dos Osímios, na Armórica. Nela, virgens chamadas
de Gallizenae, se dedicavam a um oráculo de uma divindade gaulesa. Os Osímios fazem
parte dos quatro povos celtas que habitaram o território que é hoje a Bretanha francesa, na península armoricana, nome de origem antiga que significa país do mar - Armor. Ainda hoje a denominação é usada para diferenciá-la da antiga Bretanha insular, atual Inglaterra, que para os gregos e romanos se chamava Britania. César assinalava o fato de que os druidas mantinham um centro de educação na Bretanha insular, para onde todos os postulantes eram conduzidos a fim de se instruírem na ciência druídica. Não se pode negar as evidências de que, juntamente com a Gália continental, a Bretanha peninsular armoricana e a Bretanha insular foram, durante a antiguidade, território de druidas. Mas as evidências são muito mais literárias do que arqueológicas. E, mesmo na Irlanda, de onde nos chegaram relatos de druidas legendários, nada pode se saber de concreto a seu respeito no campo da arqueologia.10 No continente, na península armoricana, como na ilha britânica e na Irlanda, todos os dados são interpretativos: nenhuma inscrição, nenhuma materialidade pode ser diretamente e concretamente identificada com o sacerdócio do druida sem que se construa várias conjecturas. Os sítios arqueológicos dos santuários célticos apresentam obviamente vestígios de rituais, mas a cosmogonia ou o universo mitológico ao qual se dirigiam estes rituais não pode ser verificado, a não ser de forma fragmentária, e a figura do druida não aparece.11


Não se poderia imaginar um sacerdócio de tão grande importância sem um panteão
mitológico capaz de legitimar as relações divinas dos druidas com o mundo dos homens. A
arqueologia Hallstatiana revela vestígios de uma mitologia anônima, deuses locais eleitos
por tribos de acordo com as situações vividas pelos grupos sociais que os elegem. Após o
período Hallstatiano verifica-se uma grande evolução artística e, através da iconografia
céltica, poder-se-ia então reconstituir um sistema de fundo mitológico comum e, no caso que nos interessa, reconhecer e identificar o sacerdote ou o druida. No entanto, a ausência de registros escritos reduz toda essa gama de representações da Arte Lateniana ao mecanismo de interpretações hipotéticas.
Os celtas não identificaram suas divindades através da escritura, como fizeram os gregos e
os romanos. Algumas raras inscrições do período pré-romano são provenientes do contato
com o Mediterrâneo e todas a figurações acompanhadas de inscrições são do período
romano. Os registros escritos de ordem mágico-religiosa atestam práticas marginais, não
revelando nada ou quase nada das divindades celtas.12

Esta é a razão de sermos tão devedores de César para a identificação, ainda que parcial, de uma teogonia celta. Ao descrever os atributos dos deuses dos gauleses - que não são
mencionados em seu nome indígena, mas identificados com a denominação romana - César
nos fornece o mais precioso: a descrição dos atributos relacionados a esses deuses. As
questões de ordem sócio-política, relativas a uma situação de dominação e submissão,
estariam mais próximas de uma negociação de poderes e deveres do que propriamente de
um sincretismo religioso capaz de identificar par a par os deuses de um e outro panteão -
além de estarmos, nesse âmbito, sujeitos a interpretatio romana.13 Mesmo que o paralelismo com o panteão greco-romano seja capaz de identificar uma mitologia celta, muito ainda nãosabemos sobre a sua cosmogonia e os aspectos religiosos que envolviam o culto a aos
deuses.

Devemos, além disso, levar em consideração o fato de que os sistemas religiosos em
contraposição - greco-romano e celta - são divergentes, fazem parte de um outro sistema depensamento e de representação e, ainda, de uma outra esfera de civilização que nem
sempre possibilita a superposição para estudos comparativos, ainda que alguns elementos
sejam de ordem similar.14

Entretanto, as fontes documentais da literatura antiga não deixam duvidas quanto à
existência desta classe sacerdotal e sabe-se que foram até mesmo uma ameaça ao poder
de Roma, que trata de proibir o druidismo (Tibério e Cláudio) para salvaguardar sua
autoridade. Verificando, portanto, as dificuldades da arqueologia diante das possibilidades
de interpretação dos dados materiais religiosos celtas, pelas razões que assinalamos,
poderíamos ser obrigados a relegar os druidas históricos a um silêncio ainda mais cruel do
que aquele que lhes foi imposto por Roma, pois a figura do druida histórico, que poderia ser atestado pela arqueologia, resulta em mistério.

Em contrapartida, a literatura antiga não cessa de repertoriar comentários a um sistema
religioso de alta complexidade, bem como a importância desta classe para a coesão de uma
civilização que se estende, segundo as fontes greco-romanas, do centro do continente
europeu até as ilhas do norte. Os druidas exerceram, segundo as fontes clássicas, o papel
de detentores de um poder sacerdotal, aliando, através de um sistema religioso, as tribos do espaço céltico insular e continental que nunca formaram, no entanto, um Estado
centralizado. O desaparecimento dos druidas entre o final da antiguidade e o inicio da
antiguidade tardia repousa também em mistério. As fontes clássicas cessam de repertoriar
comentários a respeito desses sacerdotes, antes freqüentemente referenciados, para
silenciar totalmente. O silêncio druídico da antiguidade será desfeito séculos mais tarde,
cerca de oitocentos anos depois, pela escrita dos filid irlandeses e pelos bardos bretões, que fornecerão aos arqueólogos e aos historiadores a possibilidade de interpretar os fragmentos materiais de uma religião celta. O silêncio dos druidas é quebrado na era medieval e ele ressurge como um fantasma nas brumas do espaço céltico atlântico, não sendo um retorno insípido, mas, infelizmente, para tantos românticos em busca do druida histórico, muito se deixou a desejar.

O druida ressurge no período medieval, porém dentro do contexto da transmissão de um
fundo de natureza épica e mitológica. Os arcanos da religião não são revelados. O
druidismo, como religião, não aparece. Não há uma doutrina, não há descrição sistemática
dos ritos, não há textos sagrados. E a conclusão é a de que os druidas não teriam
empregado a escritura para a transmissão de seus ensinamentos teológicos e metafísicos,
sendo a oralidade o principal dogma desta religião céltica.15

Portanto, o que se sabe concretamente dos druidas e de seu mundo, fora das fontes grecoromanas,nos chega através dos textos vernaculares irlandeses e britônicos, mas nesse
caso é preciso que se leve em consideração os séculos que separam os druidas da
antiguidade dos monges irlandeses e bretões do século VI e o contexto cristão em que estas
narrativas mitológicas de tradição oral foram transcritas.16

Christian Guyonvarc'h e Françoise Le Roux são os precursores de uma teoria interpretativa
da religião druídica através dos textos mitológicos irlandeses, tendo como suporte a teoria
dumeziliana, como não poderia deixar de ser para qualquer investigador da época entre as
duas guerras.17 Segundo estes autores, a tradição céltica foi oral enquanto sobreviveu. Após a cristianização, não há mais como se dar a sobrevivência dos ensinamentos druídicos.
Estes apenas se revelam em formas escritas, através de uma oralidade funcional que nos
chega incompleta, mas que não impediu a configuração, sobretudo a partir dos trabalhos do
casal bretão, de uma religiosidade de alta estirpe, aproximativa dos gurus da Índia ou dos
sufis do Islã. E chegam até mesmo a agradecer o fato de que e os druidas não tenham
confiado à escritura o teor de suas doutrinas teológicas, visto a inépcia dos modernos em
analisar os fatos mitológicos celtas. Com o tom extremamente crítico e autoritativo que lhes é peculiar, Guyonvarc´h e Le Roux fundamentam uma imagem nítida de religiosidade e,sobretudo, uma imagem bastante valorizada do druida celta:

Sinceramente nos sentimos penalizados (pelo fato de os Druidas não terem
registrado seus ensinamentos por escrito), sobretudo pelo gaulês que jamais
poderemos conhecer completamente. Mas a triste sorte reservada à mitologia
céltica por tantos autores e publicações modernas modera o nosso pesar ao
constatarmos sua ocultação na antiguidade. Além do mais, o método de ensino
dos druidas devia ser bem mais próximo dos métodos dos Gurus da Índia ou dos
Sufis do Islam do que dos métodos empregados nas nossas universidades
européias atuais. Não é a ausência de escritura que exterminou um tal
ensinamento (druídico), e sim o aparecimento no Ocidente de uma nova forma
de Tradição, neste caso o Cristianismo, que fez do Livro a Revelação, a Vida e o
Exemplo. Os Filid convertidos, sucessores de São Patrício, souberam tirar a
conclusão necessária.18


Mas, como já mencionamos anteriormente, os dogmas, os rituais, os textos sagrados (que,
se existiram, foram perdidos), em suma, a religião druídica propriamente dita, não nos
chegou através dos textos vernaculares célticos. O que nos chega através da Irlanda e da
Bretanha insular revela apenas a existência de uma classe sacerdotal que certamente
existiu. O Glossário de Cormac, compilado por volta de 900, é, sem dúvida, uma fonte
importante para a elucidação deste mundo de conhecimento e tradição oral da
espiritualidade céltica, mas, como o nome indica, temos apenas fragmentos de fórmulas
religiosas, sentenças concisas e preciosismos de uma língua erudita destinados à
versificação dos poemas em homenagem aos reis e heróis.19
Encontramos alguns diálogos de sabedoria druídica intercalados com os textos mitológicos e
as epopéias, mas estes também não revelam mais do que apenas fragmentos de uma
tradição. O esoterismo desses diálogos confere uma grande riqueza de imagens, mas, como
material fragmentário, não possibilita uma compreensão mais abrangente de uma mística ou de um ritual de iniciação. Neste sentido, nossas perguntas - para começarmos a analisar o
fenômeno do neo-druidismo ou do “druida” na modernidade - se colocam:

1 - Como, através dos tempos, teria chegado até os druidas atuais uma cosmogonia e uma
mística que desde os tempos mais remotos nunca foi transmitida textualmente, mas
oralmente de mestre a discípulo, e que estaria dependente de uma filiação a uma classe
sacerdotal tradicional que deixou de existir na antiguidade tardia?
2 - Como fabricar rituais sem os arcanos de uma religião, sem textos sagrados e sem
iniciação pelos seus sacerdotes?



quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Druídas, os Homens Carvalho

Los hombres del roble





Concedednos divinidades
Vuestra protección
Y con vuestra protección, la fuerza
Y con la Fuerza, la comprensión
Y con la comprensión, el saber
Y con el saber, el sentido de la justicia
Y con el sentido de la justicia, el amor
Y con el amor, aquel de todas formas de vida
Y en el amor de todas las formas de vida, el amor de los dioses y de las diosas
Y de todas sus fuerzas"

Su imagen es el misticismo, la magia, ese poder sobrenatural anhelado. Con sus túnicas y largos cabellos han sobrevivido a los siglos en la mente de los que sueñan con los arboles y las estrellas. Por el aire su espíritu recorrió la tierra europea invadiéndola de partículas mágicas, los hombres del roble dejaron su alma flotando sobre la tierra verde.

Hacían las funciones de sacerdotes, astrónomos, adivinos, magos, jueces, maestros, médicos, instructores…, los druidas eran la minoría que poseía el poder, la magia y el conocimiento. Reclutados entre la nobleza, no eran una casta hereditaria, los druidas ancianos seleccionaban a los más capaces y de jóvenes ingresaban en escuelas donde eran instruidos en ciencias naturales aplicadas a la religión, la astronomía y la adivinación. Podían pasar más de veinte años hasta completar la preparación, toda su enseñanza se basaba en la memoria, la observación y la oratoria. Al acabar la instrucción pasaban a formar parte del clero celta encabezado por un sumo pontífice. No pagaban impuestos, no iban a la guerra y no trabajaban la tierra. Pero su función dentro de la comunidad era múltiple, estudiando el movimiento de la luna y el sol establecían el calendario, vital para el ciclo de cosechas. Ejercían de jueces en los litigios y sus fallos debían de ser aceptados por el afectado bajo pena de no poder realizar sacrifios, siendo condenado como impío y criminal. Eran los instructores de la nobleza guerrera preparándola técnica y espiritualmente para el combate. En los momentos complicados ejercían como asesores diplomáticos y su magia era puesta a disposición de los espíritus guerreros. Como clero establecían las fiestas religiosas y preparaban las ceremonias, esos rituales místicos y mágicos donde invocaban fenómenos meteorológicos o realizaban curaciones, donde sus oraciones se perdían entre las sombras de los arboles envueltas en música grave y solemne. Antes del combate, los celtas cantaban golpeando los escudos con sus armas y soplaban sus trompas con el fin de atemorizar al enemigo, los druidas con sus fuegos invocaban a los espíritus para que volando junto a los sonidos protegieran a su pueblo. Su símbolo sagrado era el muérdago recolectado en invierno el sexto día de la luna, en una solemne ceremonia realizada por un sacerdote vestido de blanco que cortaba la planta con una hoz de oro depositándola en un manto, momento en el que eran inmolados dos toros blancos.

“Tal como un árbol.
Del cual las raíces penetran en todas las capas profundas de la Tierra
y suben hacía el Cielo para elaborar lo que justamente
las Fuerzas Divinas le incitan a producir.
Te pido árbol del Mundo que mi eje de vida
este siempre en expansión y crecimiento, como el tronco de tu árbol.
Capa profunda de mi Tierra.
Infunde el Flujo de mi Alma en mi Árbol de vida.
Que el árbol de Vida proyectado,
Así de mis raíces pueda realizar,
El Destino de mis Frutos de toda mi Tierra”



A pesar del paso de los siglos los hombres del roble perviven en nuestros campos, en el rocío de las hojas, en la savia de los arboles, en el azul del cielo, sus almas se mezclaron en el horizonte para perderse y volver. La esencia celta brota con el relente de la mañana en estos añejos campos europeos.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Novidades do "Mundo de lá" DVD DO BRAIA LANÇADO



Finalmente é lançado o primeiro registro em DVD da banda Braia. Pra quem não sabe, o Braia é o projeto que Bruno Maia (Tuatha de Danann) iniciou em 2007 como um trabalho solo, lançou o cd "Braia...e o mundo de lá" no Brasil e na França, e hoje se tornou uma verdadeira banda, com nove integrantes. A proposta do Braia é mesclar a música celta com a música brasileira -o choro , a música mineira - e o rock progressivo dos anos 70.Tudo isso regado a muitos intrumentos atípicos à produção musical brasileira como a uilleann pipe(gaita de fole irlandesa), bouzouki, banjo, tin e low whistles,entre outros, além dos convencionais intrumentos do pop/rock como violões, guitarra, bateria, baixo, teclados ,etc... O DVD contem todas as músicas do cd "Braia...e o mundo de lá" executadas ao vivo, uma inédita, Lorac mo Chrói e performances dos membros da banda em solos fantásticos como a da cantora Fernada Ohara, o baterista Anderson Alarça, os tecladistas Edgard Brito e Rafael Castro em um duelo e o gaiteiro Alex Navar. Não deixem de conferir esse diálogo multicultural que transcende as fronteiras da arte convencional e sejam bem vindos ao universo mágico do Braia. Line Up: Bruno Maia- vocais, bouzuki, bandolim, tin e low whistle, banjo, violão, guitarra e guitarra havaina Fernanda Ohara- vocais Julio Andrade- vocais, violões, guitarra,bandolim e bouzouki Giovani Gomes- baixo e vocais Alex Navar- uillean pipes Roger Vaz-violinos Edgard Brito- teclados e escaleta Rafael Castro- teclados Anderson Alarça - bateria Confiram um trailer do DVD no site da banda : http://www.braiamusica.com/
Confira mais neste link : Roça'n'Roll

Mitologia Celta da Irlanda - parte 3 (Ciclo dos Reis e Imramma, Jornadas ao Outro Mundo )



Ciclo dos Reis

Descrito como “menos mágico do que o Ciclo Mitológico, menos heróico do que o Ciclo do Ulster e menos romântico do que o Ciclo Feniano” (James MacKillop), o Ciclo dos Reis retrata os feitos de diversos reis históricos de pequenos reinos locais da Irlanda. É importante alertar que a palavra “rei” no sentido celta é bem diferente da visão moderna do déspota plenipotenciário ou da figura alegórica que caracterizam os reis no imaginário popular de nossos dias. O rei celta deveria ser “física, mental e espiritualmente íntegro”, pois de seu casamento simbólico com a Soberania do Reino dependia a prosperidade da terra e de seu povo. Os reis celtas costumavam ser escolhidos não por sua linhagem, mas por seu valor e sabedoria – o que não impedia o estabelecimento de famílias reais que deram origens à visão da liderança dos clãs. A própria palavra ‘clã’ vem do irlandês clann, literalmente, ‘família’ – não a família nuclear que conhecemos, mas a família estendida, a tribo. É o que vemos em Baile in Scáil, “O Êxtase Poético do Espectro” no qual o ‘espectro em questão é ninguém menos que o poderoso deus Lugh surge ao lado de sua esposa, a Donzela da Soberania da Irlanda, diante do rei Conn “das Cem Batalhas” para lhe oferecer a taça com a cerveja vermelha da Soberania – um tema intimamente associado à imagem do Graal arthuriano. A pergunta que o cavaleiro Perceval deveria ter feito ao Rei Pescador no romance medieval Persival – “a quem serve o Graal?” – surge nesta lenda irlandesa anterior e pouco conhecida: ao ofertar o cálice com a cerveja vermelha a Donzela da Soberania pergunta a Lugh: “a quem devo ofertar esta taça?”

Outro texto importante deste Ciclo é “A Loucura de Suibhne”, em que o Rei Suibhne, o Louco desafia o cristianismo de São Ronan e, como resultado de ‘maldições’ lançadas pelo cristão, enlouquece e passa a viver como um pássaro, voando pelos bosques da Irlanda e recitando poemas que são verdadeiras odes à Natureza e às árvores. Pelo paralelo facilmente estabelecido com a história britânica de Myrddyn / Merlin, que também ‘enlouquece’ e passa a profetizar em meio à natureza, podemos identificar em ambas as histórias sobrevivências de elementos xamânicos pré-cristãos da espiritualidade celta.

Imramma, Jornadas ao Outro Mundo
 
Outro componente de natureza bastante xamânica da literatura celta irlandesa são as lendas conhecidas coletivamente como immrama, ou literalmente, “remações”, viagens por água, que são jornadas ao outro mundo – retratado como ilhas sagradas a oeste da Irlanda. Entre elas, citamos a “Balada de Oisín no Outro Mundo”, em que o herói Oisín, filho de Fionn Mac Cumhaill, viaja para Tír na nÓg, a ‘Terra da Juventude’, numa jornada por mar em companhia da belíssima – e divina – Niamh “dos Cabelos Dourados”. Lá ele passa 300 anos como esposo de Niamh, que lhe concede três filhos. Quando ele decide visitar a Irlanda, Niamh tenta demove-lo da idéia, mas por fim ele parte no cavalo branco dela, com instruções expressas de jamais descer do cavalo. Ao retornar, a Irlanda que ele encontra está transformada – os grandes e nobres Fianna haviam desaparecido, os homens são fracos e sem dignidade. Por fim, Oisín acaba descendo do cavalo, o que faz com que ele envelheça todo o tempo que ele estivera fora.
Em “A Viagem de Bran mac Febail”, o protagonista também é atraído ao Outro Mundo por uma linda mulher que lhe surge num sonho (transe xamânico?). Sua jornada pelos domínios do deus Manannán (o mar) é plena de maravilhas, passando por diversas ilhas mágicas repletas de simbolismo até que também ele retorna para uma Irlanda que ele não reconhece – afinal, o tempo passado no Outro Mundo correra de forma diferente... ele relata suas aventuras usando varetas com inscrições em Ogham – o alfabeto sagrado dos druidas irlandeses – e em seguida retorna para o Outro Mundo.
A imram de Bran é em diversos aspectos muito semelhante à de Mael Duin, e seu simbolismo oculto foi ricamente explorado pela autora Caitlín Matthews em sua obra “O Livro Celta dos Mortos”, um inspirado trabalho oracular facilmente compreendido por quem se disponha a estudá-lo.
Elementos de ambas são encontrados na obra Navigatio Sancti Brendani, a “Viagem de São Brandão, o Navegador”, um místico irlandês que, no século VI, teria feito uma jornada a terras pardisíacas a oeste da Irlanda. A popularidade desse texto levou-o a ser redigido em diversos idiomas, inclusive no português – daí não ser difícil estabelecer uma correlação bastante direta com a nomeação, em eras posteriores, das terras descobertas pelos portugueses na América com um dos nomes das ilhas sagradas da mitologia irlandesa, alcançada justamente por uma imram: Hy Brasil, a “Ilha dos Abençoados”. O fato de São Brandão de Clontarf ser uma personagem histórica oriunda da classe druídica da Irlanda aumenta a importância dos relatos e de sua relevância mística na nomeação das terras brasileiras.

Ao final de toda imram, chega-se ao Paraíso, as terras sem maldade, sem doenças, onde todos permanecem jovens: o mundo perfeito. As imramma podem ser, assim, vistas como jornadas míticas que nos levam a uma visão da perfeição, para que essa perfeição informe nossa ação no mundo em que vivemos – o trabalho de cura e transformação inspirada do mundo, função fundamental dos mitos e lendas de todos os povos.