sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Olhem agora para a Europa os brasileiros, futuro do passado. Aí, na esquina capilar com que o rosto fita o Atlântico ...GALIZA. Um território que sendo Espanha não é bem Espanha

Trecho retirado do artigo:CARTA A EL-REI DOM BRASIL SOBRE O ACHAMENTO DA GALIZA -J. Carlos Quiroga D -  Santiago de Compostela, Outubro de 1996 .

RESUMO:
Visita ao quarto mais antigo e esquecido da casa-comum da lusofonia. A Galiza. Sobretudo para lembrar que o é. Sobretudo aos brasileiros. Mas cabem todos os olhos. Abre-se com chave literária a porta deste canto ocidental da Europa e passam por instantes algo da sua história que nos liga, algo do divórcio a que nos obrigaram, algo do presente da língua galega, do debate entre ortografia espanhola ou portuguesa para ela.







"Olhem agora para a Europa os brasileiros, futuro do passado. Aí, na esquina capilar com que o rosto fita o Atlântico podem achar talvez o seu passado ainda presente, a partícula de quase 30 mil Km2 chamada Galiza. Um 5,8 % do território espanhol, uns 3 milhões de habitantes. Um território que sendo Espanha não é bem Espanha. Conheço vários brasileiros que andam por cá [...], e nenhum teve de mudar a sua forma de falar para entender-se aqui.Tanto tempo de dominação espanhola não conseguiu apagar a base do que a todos nos une. Sabem os da Terra de Santa Cruz, a posteriormente chamada Brasil, que a sua língua geral nasceu aqui, neste cantinho atlântico? Alguns devem saber. Mas sabem também que aqui continua falando-se o galego, que hoje tem co-oficialidade com o espanhol, que temos Parlamento próprio, ensino, TV, cultura em galego, e ainda um debate entre os partidários de uma ortografia espanhola (a postura oficial) e os partidários de uma aproximação ao português (a postura de alguns de nós)?"


ALGO DE HISTÓRIA

O português é língua falada actualmente em amplas regiões do mundo por mais de duzentos milhões de pessoas. Idioma oficial em sete estados, presente em numerosos organismos internacionais. Fala-se até em diversos territórios não soberanos onde a sua oficialidade não está reconhecida. Todo o mundo sabe. Mas, não podendo ter sido sempre assim, valeria a pena lembrar aos brasileiros algo da sua história que menos parecem lembrar, a parte em que a semente da árvore abrolhava em origem, antes de ser-lhes levada em ramo pelos portugueses, para depois voltar a olhada de novo ao presente dessa reduzida terra da planta original. A nossa história.

Os romanos chegam à Península Ibérica no ano 218 a. de C., e tem de passar quase dois séculos para que Augusto, com sua presença e um enorme exército (ano 26 a. de C.), comece a apagar definitivamente as guerrilhas resistentes do Norte. Aí estávamos nós. Aí aconteceu o mítico suicídio do monte Medúlio, onde se amparavam grande parte das tribos galaicas, que preferiram a morte antes do submetimento. Com a vitória romana, a língua e os costumes envolvem todo o território. Em 212 o imperador Caracalla estende o direito de cidadania a todos os súbditos livres do Império. Incorporamo-nos a falar o imperial latim. Seguramente já havia peculiaridades na forma de fazê-lo nos diversos cantos do Império, mas a coesão política durante a época imperial (comunicações, administração, serviço militar) mantinha em certo grau uniforme esse latim "vulgar". No ano 409 invadem a Península os Alanos, Vándalos e Suevos. Estes últimos assentam-se na Galiza por mais de um século. A cultura romana secular é vista ainda como superior, e a sua língua fica, mas desfeito o Império, e convertidas as províncias em estados bárbaros, isoladas umas das outras, entre os séculos VI e IX aparecem diferenças notáveis entre o latim falado na área galego-portuguesa e nas outras. Os visigodos, aproveitando e adapatando-se aos quadros administrativos que encontraram, não alteram em essência a fisionomia social e linguística da Península (pelo contrário, isolando-a do resto do Império, acentuam o carácter conservador e arcaizante), deixando apenas formas léxicas, topónimos e antropónimos. Nesta altura, as tribos dispersas da Arábia iniciam a guerra santa. Em 711 os caudilhos Tarique e Muça iniciam a conquista da Península Ibérica, quase completando-a em em sete anos (haverão de passar vários centos até serem expulsos pelos hispanos). Quase, porque o Norte nunca teve uma dominação permanente, recebendo ataques esporádicos, como o saque desta cidade em que escrevo em 997 por Almançor. Linguisticamente a influência árabe foi mínima, pois traziam uma língua semita e não indoeuropeia. Mas será provavelmente no século VIII quando o latim peninsular se fragmenta, aparecendo vários domínios linguísticos coincidentes com blocos geo-políticos que lutam contra os mouros. Os filhos do latim começarão a descer reconquistando desde o Norte: catalão, aragonês, castelhano, astur-leonês e galego-português. No sul, sob dominação árabe, teriam ficado cristãos utentes ainda de uma modalidade desse latim: o chamado moçárabe, mal conhecido e sem restos, incorporando-se paulatinamente aos reconquistadores. Deixamos de parte o único resto de língua anterior aos romanos, o euskera, viva então e agora (constituindo na actualidade a referência nacionalista mais enérgica da Espanha, inclusive com luta armada em prol da independência), que ocupando a zona norte passa também a território francês. A vária sorte da guerra prolongada determina que o castelhano corte a passagem para o sul aos falares vizinhos, ficando apenas, desde a Idade Média até hoje, três grupos linguísticos românicos fortemente constituídos pela tradição, pela literatura, e pela firme vontade dos seus habitantes: o castelhano no centro, o galego-português e o catalão aos lados; essas línguas, junto com o euskera, são as hoje existentes. Também é essa sorte que determina que nesse momento (séc. XII) o território da Galiza fique integrado no bloco político aglutinado pelo castelhano, enquanto o território entre Minho e Douro continua avançando com os repovoadores cristãos até ao sul de Portugal. A um e o outro lado da fronteira emprega-se então o mesmo "falar", o galego-português em que na IdadeMédia se recolhe o inestimável tesouro lírico formado pelas cantigas, guardado geralmente em várias recopilações denominadas Cancioneiros. Completada a Reconquista pelo reino português,com a incorporação de todos os territórios da faixa ocidental peninsular salvo a Galiza, Portugal iniciará uma segunda fase expansiva, esta vez de tipo marítimo, que o vai levar muito além das fronteiras do mundo então conhecido: conseguem passar além do cabo Bojador em 1437 por meio de Gil Eanes (espécie de fronteira mítica porque se supunha o último lugar habitável para o sul), e a partir desse momento sucedem-se os descobrimentos ao longo da costa africana. Diogo Cão chega até ao rio Zaire em 1482, Bartolomeu Dias ultrapassa o cabo da Boa Esperança em 1488, e fica aberta definitivamente para Portugal a rota da Índia, aonde chega Vasco da Gama em 1498. Em 1513 os portugueses entram já em contacto com a China e em 1541 chegam ao desconhecido Japão. Por outro lado, entre 1500 e 1502, chegam também a Groenlândia, Terranova e ao Canadá, e até se crê que também puderam ter visitado Austrália. Respeito ao Brasil que me lê, há fundadas suspeitas de que também tivessem arribado às suas costas antes da famosa viagem de Cristóvão Colombo (1492). Seja como fosse, PedroÁlvares Cabral ia chegar já, por casualidade ou não, àquelas terras em 1500. De Pero Vaz de Caminha e de tanta coisa que seguiu já devem saber os brasileiros mais do que eu.
[...]
Artigo completo: http://lfilipe.tripod.com/CQuiroga.html

Pedra dos Namorados, CamariñasGaliza
http://migre.me/akzbA


Bem, abaixo segue o hino da Galiza. Ai está ele para demonstrar o porque Galiza um território que sendo Espanha não é bem Espanha...e para quem não conhece o "Galego", conhecer. 

O himno galego conxuga o poema Os pinos de Eduardo Pondal :


¿Que din os rumorosos
na costa verdecente,
ao raio transparente
do prácido luar?
¿Que din as altas copas
de escuro arume arpado
co seu ben compasado
monótono fungar?

Do teu verdor cinguido
e de benignos astros,
confín dos verdes castros
e valeroso chan,
non des a esquecement
da inxuria o rudo encono;
desperta do teu sono
fogar de Breogán.

Os bos e xenerosos
a nosa voz entenden
e con arroubo atenden
o noso ronco son,
máis sóo os iñorantes
e féridos e duros,
imbéciles e escuros
non os entenden, non.


Os tempos son chegados
dos bardos das edades
que as vosas vaguedades
cumprido fin terán;
pois, onde quer, xigante
a nosa voz pregoa
a redenzón da boa
nazón de Breogán.










O post para muitos pode parecer sem nexo, porém para mim faz completo sentido. O primeiro trecho é de um texto de Carlos Quiroga professor na Univiversidade de Santiago de Compostela. O segundo texto é o hino galego,o poema Os pinos de Eduardo Pondal (poeta importante do "Rexurdimento" galego - em breve tratarei sobre isso aqui) - , que está onde está para mostrar a proximidade do galego e do português.






Sláinte,
Fernanda Castro.