sábado, 8 de setembro de 2012

O Celtismo na Galiza hoje

Por José Manuel Nunes Vilar
Fonte original: Desperta do teu sono
Retirado de: Portal galego da Língua (publicado pelo site: Terça, 13 Setembro 2011 00:00)


É possível que falar de celtismo na Galiza seja tabu ainda quando cada vez há mais autores de diferentes nacionalidades que reconhecem anossa identidade céltica. É mais, situam aqui a génese dos povos que o tempo deu em chamar celtas. Os poderes metropolitanos parecem favorecer uma endogamia universitária destinada a dotar de coerência o artifício político e cultural que é Espanha. Porque é que se fala de cultura ou civilização castreja e não de celtismo galaico?

Beatriz Díaz Santana, (*mar shampla), diz que na atualidade o celtismo goza duma escassa aceitação académica e que as suas teorias são consideradas fantásticas e cientificamente falas. Será mesmo que pretendem isolar mais ainda o povo galego, reduzi-lo a uma mera comunidade autónoma dependente da metrópole ao despossui-lo da sua memória? Lembremos que isto é o que se faz na língua com a ILG-RAG. Neste sentido é que se pretende apresentar o galego como um idioma minoritário, desligado da língua portuguesa quando esta última apenas é mais uma variedade que trunfou e se normalizou como fala de Estado. Contudo, as publicações daqueles paladins do “politicamente correto” segundo os poderes metropolitanos começa, aos poucos, a falar de culturas atlânticas e mesmo de influências dos povos celtas.

Mas a opinião dos investigadores que também passaram pelas ilhas e pela Armórica vai muito mais longe: a Galiza é o berço dos povos celtas. Trata-se da teoria da continuidade paleolítica sustida, entre outros, por investigadores de renome internacional como Mário Alinei, Francesco Benozzo e Bryan Sykes, fundamentada em pesquisas linguísticas, arqueológicas e genéticas. Tudo aponta ao nascimento da civilização protocéltica na área compata que formavam as ilhas britânicas ligadas ao continente durante o Paleolítico. Deste modo é que os monumentos megalíticos foram uma das primeiras manifestações culturais duma série de povos atlânticos que o percurso do tempo daria em chamar de celtas e onde as mais antigas, depois das armóricas, são as galegas.

Não parece haver nas terras galaicas indícios duma influência externa, mas ao contrário, um espargimento cultural como as ondas que gera a queda duma pedra num estanque e cujo epicentro foi o que os romanos chamariam de Gallaecia. Poder-se-ia, ainda que imprudentemente, duvidar das pesquisas arqueológicas e linguísticas, mas a combinação de ambos elementos reforçada pela genética não parece deixar lugar a dúvidas quanto a que a Galiza é a pátria original da civilização celta. É o que sustem o prestigioso geneticista inglês Bryan Sykes ao dizer que os celtas que chegaram às Ilhas Britânicas procediam da Galiza e ainda quando o Leabhar Ghabhála não é uma fonte histórica válida, mas um legado mitológico, a coincidência é espantosa.

Fartos estamos de ouvir em muitos congressos, aulas de universidade e seminários o eufemismo “castrejo” num desesperado intento de justificar o legado histórico galego desde um ponto de vista forçado e isolacionista. Vem a ser o mesmo que sustêm Françoise Le Roux e Christian J. Guyonvarc'h em “A sociedade celta” quanto a que se está a atalhar o estudo do antigo desde uma perspetiva maioritariamente externa ao contexto próprio das velhas sociedades. Os apologistas da hispanidade tendem a obcecar-se com a obtenção de dados com a única vontade de conhecê-los, mas não de compreendê-los desde a cosmovisão que concede o método multidisciplinar. Limitam-se ao trabalho arqueológico e à interpretação estéril de qualquer achega linguística e antropológica.

Não se pode esperar entender nem o mais mínimo uma sociedade apenas pelo seu estudo material. A comunidades tradicionais são indivisíveis e, por enquanto, a sua análise é irreduzível a uma só disciplina. Todo nelas está estreitamente relacionado e emerge da religião como causa e fim. Tanto é assim que a velha sociedade é produto do pensamento religioso, não da arbitrariedade. Daquela como pode ser que haja investigadoras que estudam o celtismo galaico desde o panteão latino?

Lembremos o exemplo do ídolo achado em Aquis Querquenis de Bande, na Baixa Lima, região de Ourense. Trata-se dum acampamento militar romano, mas sabido é o costume de recrutar indígenas como tropas auxiliares aos que se lhes concederia a cidadania romana caso sobreviverem aos 25 anos de serviço. Assim é que baixo da armadura romana seguiam sendo galaicos que conservavam os seus credos e que, por enquanto, se encomendavam às suas deidades.

Este ídolo achado em Aquis Querquernis é, sem dúvidas, Bandua e não por acaso. Na figura, além do seu capacete e as suas roupas claramente célticas, pode-se apreciar perfeitamente a corda que a lenda diz Bandua levava ao peito e, por outra parte, também pode ser significativo o topónimo local de Bande, mas os responsáveis do estudo arqueológico da zona etiquetaram a estatuínha com o nome de Marte, quando de romana só tem o feito de ser estátua -reparar em que os celtas não edificavam templos nem concebiam às deidades em forma de objeto- Se calhar negam-se a analisar de perto a possível relação existente com a toponímia e com a mitologia indígena. Também é possível que se achem seduzidos pela ideia de apresentar ao mundo os nossos manifestos culturais com os olhos da romanidade e não com os indígenas e próprios.


Por último, mas não menos importante, cumpre pensar no motivo pelo qual os isolacionistas históricos falam de castro. Que é o que faz com se fale de castrejos e não de celtas? Qual é o componente genuíno que impede outra nomenclatura? Não será o facto de os antigos galaicos serem uma povoação dispersa onde cada castro é politicamente autónomo, porque daquela também poderse- ia dizer que todos os povos celtas são “castrejos”. A atomização não é algo genuíno dos celtas galaicos. Se bem é certo que pelo facto de partilharem língua, credo, arte.., poder-se-ia falar de nações celtas, mas na altura não existia essa consciência nem mais patriotismo que o da própria família e aldeia. Daquela não estamos perante algo tão singular como para distinguir aos galaicos do resto dos povos celtas. Por outra parte, certo é que a maior distância maior especialização tem lugar e por isso podemos falar de deidades próprias dum ou doutro “castro”, o que acontece em qualquer terra celta, mas está claro que a presença do panteão intercéltico está presente também na Galiza tal e como o testemunha a toponímia. Intentar apresentar o mundo galaico como algo sem raízes, particular do noroeste peninsular que como muito recebeu influências dos povos celtas é pura demagogia intelectual made in spain e que aos pouco está a ficar ignorada e contradita pela comunidade científica internacional.

Notas:
1. Mar shampla, gaelicismo: o mesmo que verbi gratia.


Bibliografia
Díaz Santana, Beatriz. “Os celta en Galicia: arqueoloxía e política a creación da identidade galega” Noia (A Crunha). Editorial Toxos Soutos Serie Keltia. 2002.
Le Roux, Françoise; Guyonvarc'h. “A sociedade celta” Portugal. Publicações Europa-América.1991.
Balboa Salgado, António. “A Galicia celta: a relixión” Santiago (Galiza). 2002.
Conde, María. “Una teoría de investigadores italianos sitúa en Galicia la cuna del mundo celta”. La Voz de Galicia. Sábado 21 de outubro de 2006. Sociedade, página 29.


Espaços web relacionados

Instituto Galego de Estudos Célticos http://www.estudosceltas.org/?q=gz/node/45
The Paleolithic Continuity Paradigm http://www.continuitas.org/textsauthor.html